Divagações: Bakemono no ko

A abnegação e a busca por algo maior e mais importante que o indivíduo são temas constantes na obra do diretor e roteirista Mamoru Hosoda ...

A abnegação e a busca por algo maior e mais importante que o indivíduo são temas constantes na obra do diretor e roteirista Mamoru Hosoda. Em Bakemono no ko, isso não é diferente. Ainda assim, durante a maior parte do filme, somos levados por uma história singela de um menino em busca de uma figura paterna e de um adulto que está cansado de apenas se deixar levar pela vida.

O menino é Ren (Aoi Miyazaki/Shôta Sometani). Após a morte de sua mãe, ele é informado de que não pode ir viver com o pai, mas se recusa a ir morar com o avô e foge de casa. Confuso e sem ter para onde ir, ele segue um misterioso monstro em forma de urso, Kumatetsu (Kôji Yakusho), até uma cidade mágica e aceita ser seu – relutante – aprendiz.

O local para onde ele vai é um mundo de monstros, onde eles vivem protegidos das trevas que dominam o coração dos humanos, de modo que a chegada do menino não é vista com bons olhos. Kumatetsu é um membro não muito apreciado dessa sociedade. Ele é forte e está sendo considerado como sucessor do atual governante (Masahiko Tsugawa) quando ele decidir reencarnar como um deus. Seu principal concorrente pela vaga, contudo, parece ser muito mais digno. Iozan (Kazuhiro Yamaji) é pai de dois filhos, um membro ativo da comunidade e possui vários aprendizes.

A princípio, a chegada de Ren, apelidado de Kyuta, é apenas uma desculpa para que Kumatetsu seja visto com mais seriedade e respeito pelos demais, mas fica claro que ambos crescerão com essa convivência. Com o passar do tempo, eles aprendem um com o outro e criam uma rotina de discussões constantes que, estranhamente, lembra uma convivência familiar – em uma casa de personalidades fortes.

Ainda assim, Bakemono no ko não é apenas sobre isso. O filme insere seus personagens em um contexto mais amplo do que eles. O aparentemente pacífico mundo dos monstros também descobre o que é inveja, trapaça e hipocrisia, ao mesmo tempo em que Ren volta a cruzar a barreira para a cidade humana e encontra carinho e compreensão na figura de uma menina que, como ele, também sofre (Suzu Hirose). E, quando tudo está preste a ruir, os vínculos criados entre os personagens são testados.

Um dos principais questionamentos de Bakemono no ko – o qual os próprios protagonistas levam a diversos sábios, mas sem muito sucesso – é “o que é ser forte?”. Essa é a grande busca de Ren e de Kumatetsu. Um quer ser independente da família que foi imposta a ele e o outro acredita que alcançou isso ao se virar sem o apoio de ninguém. Inevitavelmente, os dois acabam descobrindo outra resposta. Se você também está em busca de uma força interior, a produção pode não dar um esclarecimento ou que se adeque ao seu caso, mas ela tenta dar um alento.

Aliás, há muitos temas que podem ser trabalhados na produção, que traz a tradicional sensibilidade complexa de Mamoru Hosoda. O longa-metragem aborda a perda de um familiar, a forma de lidar com o luto, a habilidade de admirar o diferente (em vez de apenas sentir a ameaça), a importância de prestar atenção no outro (seja em um enfrentamento, seja em uma convivência diária), entre outros assuntos relevantes, mas difíceis para crianças e adultos.

Bakemono no ko é uma animação bonita e estranha ao mesmo tempo. Seus personagens são assumidamente monstros e poderiam assustar muita gente se quisessem, mas eles têm medo dos humanos e, sinceramente, não é sem razão. Ao mesmo tempo, o protagonista nunca pede desculpas por ter nascido com trevas no coração. Ele não pode mudar quem ele é, mas pode aprender a ser alguém melhor e se esforçar nessa direção, sempre com a ajuda de quem é importante para ele.

Outras divagações:
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