Divagações: It

Alguns dias atrás, eu disse que The Dark Tower falhava em traduzir as ambições de Stephen King para a tela grande e que It , por outro l...

Alguns dias atrás, eu disse que The Dark Tower falhava em traduzir as ambições de Stephen King para a tela grande e que It, por outro lado, parecia bem mais promissor.

Talvez fosse pelo desprendimento de não ter tanta bagagem nas costas ou, quem sabe, porque o material original era bem mais familiar – já tendo recebido uma adaptação para televisão em 1990 com uma qualidade de produção questionável. A questão é que o conceito por trás de It já faz parte do imaginário popular a tempos. Com a ressurgência da nostalgia pelos anos 1980, era chegada a hora de Hollywood trazer o famoso livro de King para os cinemas.

Ainda que eu admitidamente não seja o maior fã de filmes de terror, It parecia carregar consigo um grau de polimento e uma ambientação capazes de me fazer deixar de lado o preconceito com o gênero. Fico feliz que tenha sido assim porque, em sua essência, It não é somente um filme de terror feito para dar sustos, estando suas maiores forças justamente nesse ponto.

Passado em uma cidadezinha americana no fim dos anos 1980, o longa-metragem mostra a história de um grupo de adolescentes tentando desvendar um mistério que atormenta a cidade por décadas. Crianças desaparecem, acidentes sem explicação matam dezenas de pessoas e alguns indivíduos são acometidos por estranhas alucinações.

Os adultos parecem ignorar o problema, mas Bill Denbrough (Jaeden Lieberher) – assombrado pela morte do irmão mais novo, Georgie (Jackson Robert Scott) – procura por respostas mais concretas. É durante as férias de verão que ele se reúne com seus amigos, um grupo de excluídos e maltratados, para encontrar alguma pista, o que acaba os levando de encontro a outras crianças com problemas similares, como Beverly (Sophia Lillis), Mike (Chosen Jacobs) e Ben (Jeremy Ray Taylor). E é essa busca que os leva de encontro a Pennywise (Bill Skarsgård), uma estranha figura que parece ser capaz de incorporar os seus maiores medos.

Por mais que comece como uma típica produção de terror, com músicas ominosas, uma paleta de cores cinzenta e enquadramentos opressivos, It logo mostra que é mais um filme de turminha dos anos 1980 do que qualquer outra coisa. O longa-metragem mantém um tom muito adulto – com bastante violência e um subtexto pesado –, mas são as crianças as verdadeiras protagonistas da história, não o monstro. São as relações entre elas, seus medos e seu amadurecimento que deixam as coisas interessantes. Nesse contexto, todos os sustos ficam em segundo plano e o filme se torna basicamente um coming-of-age onde a criatura nada mais é do que uma metáfora para os obstáculos que cada um deles deve superar, algo que é muito bem executado.

Nesse sentido, It guarda muitas semelhanças com a série Stranger Things (que, por sinal, tem muitas influências do material original), onde vemos pelo olhar de crianças uma realidade muito mais perturbadora e brutal do que em um filme infantil. Se o filme se passasse nos dias atuais talvez esse conceito não funcionasse tão bem, mas como é essencialmente um olhar adulto sobre o universo infantil, a nostalgia serve como uma boa justificativa e um bom pano de fundo para mover a história para frente.

Obviamente, isso não se sustentaria sem um bom roteiro e a atuação da garotada é extremamente competente. Então, no final das contas, It é uma mistura que dá surpreendentemente certo, ainda mais com Bill Skarsgård fazendo um bom trabalho em retratar Pennywise com todas as nuances necessárias para torná-lo uma figura perturbadora na medida certa. Aliás, Skarsgård entrega uma atuação sem cair em certos exageros que filmes assim costumam ter, tornando Pennywise um personagem até mesmo complexo (digo, para um monstro devorador de crianças) e é certo que ele fará toda uma nova geração ter medo de palhaços.

Vale observar que, apesar de ser um filme autocontido, It não esconde suas pretensões de se tornar uma franquia, revelando ser apenas o primeiro volume de uma antologia (e equivalendo a mais ou menos metade do livro original). Isso me trouxe alguns sentimentos dúbios, já que, apesar de ter gostado muito do resultado, não sei se uma continuação iria ter o mesmo apelo e charme dessa primeira parte, ainda mais sem o ótimo elenco. De todo modo, se o filme for pensado com cuidado, não há nada do que ter medo – com exceção do palhaço, é claro.

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

RELACIONADOS

0 recados