Divagações: Victor Frankenstein

De todos as obras de terror que já li, a narrativa de Mary Shelley se destaca. Frankenstein, ainda que marcado por muitas características...

De todos as obras de terror que já li, a narrativa de Mary Shelley se destaca. Frankenstein, ainda que marcado por muitas características próprias do período (que não me agradam muito), é um livro sobre culpa e medo – muito mais do que sobre sustos – e é isso que garante seu tom sombrio e a sobrevivência de seu apelo ao longo dos anos.

Mas Victor Frankenstein não é exatamente um filme de terror e nem uma adaptação do livro original. Por ser apenas mais uma aventura hollywoodiana, a produção chamou atenção na época de sua estreia e acabou caindo em esquecimento com o passar das semanas. Não foi exatamente muito bem nas bilheterias e seu única chamariz para o futuro é uma curiosidade em relação ao elenco, formado por diversos nomes interessantes. Entretanto, já aviso que, com a exceção da dupla de protagonistas, os demais atores são subaproveitados.

Victor Frankenstein (James McAvoy) é um estudante de medicina que despreza a instituição onde estuda e que pretende colocar seu nome na história por meio de uma grande descoberta científica: a possibilidade de trazer os mortos de volta à vida. Contudo, em vez de ir atrás de corpos falecidos e ressuscitá-los, ele opta por unir partes de diversos animais e desenvolver uma criatura única (não me pergunte o motivo!).

Em uma de suas incursões para conseguir partes de bichos, Victor vai até um circo onde encontra o corcunda Igor (Daniel Radcliffe), que tem conhecimentos de medicina, e o ajuda a fugir da escravidão do picadeiro. O detalhe é que o detetive Turpin (Andrew Scott) já estava desconfiado de suas atividades e a nova aventura o coloca diretamente na mira da polícia. Ao mesmo tempo, os experimentos avançam e o próximo projeto envolve a criação de um homem com proporções gigantescas.

Em meio a tudo isso, surge uma espécie de amizade entre Victor e Igor, mas esse relacionamento não é exatamente saudável. Ainda que o tema seja explorado pelas beiradas, a verdade é que Victor é um personagem bastante perturbado e ele se aproveita da inocência de Igor – que nasceu e cresceu dentro do universo restrito do circo – para ter um assistente praticamente gratuito. Acostumado à escravidão, Igor se entrega a essa amizade abusiva. Ele sabe que seu trabalho está sendo explorado, mas isso é devidamente intercalado por alguns elogios bem colocados e por demonstrações de fragilidade que o fazem se sentir simultaneamente necessário e responsável pelo bem-estar do outro.

Dessa forma, Victor Frankenstein consegue cumprir bem sua proposta de mostrar como funcionaria essa estranha amizade (que não existe no livro, diga-se de passagem). Infelizmente, o restante da trama é baseado em clichês – incluindo o detetive loucamente determinado, o pai extremamente exigente (Charles Dance), o financiador rico e mesquinho (Freddie Fox) e a amiga devotada (Jessica Brown Findlay) –, fazendo com que a história seja simplesmente esquecível.

Para completar, tanto visual quanto narrativamente, há uma clara influência de produções como Sherlock Holmes, que também se passa na Inglaterra Vitoriana. Ou seja, há uma falta sistêmica de elementos criativos que garantam que essa produção tenha uma identidade própria. E eu me questiono como isso aconteceu sob a direção de Paul McGuigan, que tem feito coisas muito interessantes na televisão.

De qualquer modo, suponho que exista um alento para os fãs do monstro. Victor Frankenstein faz diversas pequenas homenagens a encarnações anteriores da criatura no cinema, especialmente Frankenstein (de 1931) e Young Frankenstein. Só é uma pena que esse filme não vá exatamente deixar um grande legado.

RELACIONADOS

0 recados