Divagações: Jackie

O luto é um sentimento doloroso, difícil de descrever e único a cada um que o sente. Quem já sofreu pela morte absolutamente inesperada e ...

O luto é um sentimento doloroso, difícil de descrever e único a cada um que o sente. Quem já sofreu pela morte absolutamente inesperada e trágica de uma pessoa amada pode se identificar com a dor de quem vive algo semelhante, mas é impossível realmente saber o que o outro está passando. Ainda assim, Jackie é um filme que tenta versar sobre esses sentimentos confusos, contraditórios e abundantes que tomam de assalto a uma viúva.

Obviamente, não se trata de qualquer viúva. Jacqueline Kennedy (Natalie Portman) estava desfilando em um carro aberto e acenando para as pessoas quando seu marido – o presidente dos Estados Unidos (Caspar Phillipson) – recebe uma bala na cabeça que o deixa desfigurado. Ela está em choque e sabe que poderia ter morrido no mesmo incidente, mas também é ela quem segura a cabeça ensanguentada de seu marido no colo até que o carro chegue em um local seguro.

Em Jackie, vemos essa mulher – com seu chapéu e seu icônico conjunto cor-de-rosa de terno e saia – sendo elegante, charmosa e consciente de sua importância no mundo. Mas também vemos alguém que está a um dia vestindo roupas ensopadas com o sangue de seu marido recentemente assassinado. É nesse momento em que realmente entendemos a dimensão de tudo o que aquela pessoa pode estar sentindo.

Mas, ainda assim, nós não somos ela e é particularmente difícil se envolver com um mundo no qual, sinceramente, ninguém quer estar. O diretor Pablo Larraín sabe bem disso, mas ele também está fascinado por sua protagonista. Toda a construção do filme, que intercala as interações da ex-primeira-dama com diferentes pessoas, é feita como um exercício de quem tenta conhecer essa pessoa e seu luto. Há a recriação de momentos históricos, que ficaram marcados na imaginação popular, mas também há detalhes íntimos que não exatamente tentam criar uma empatia, mas procuram mergulhar no entendimento de quem foi Jacqueline Kennedy.

Dessa forma, falta na produção o sentimento de pena e compadecimento que muitos deveriam sentir em relação a uma viúva. Isso talvez fosse fácil demais e um tanto quanto plebeu para o retrato de uma mulher tida como tão inalcançável – mas que, inesperadamente, parece estar muito perto, sempre a apenas alguns centímetros da câmera.

A única personagem que demonstra compaixão é a amiga e assistente Nancy Tuckerman (Greta Gerwig), mas ela tem coisas mais práticas na cabeça e conhece Jackie bem demais para se preocupar com isso. Ao mesmo tempo, Bobby Kennedy (Peter Sarsgaard) está lidando com o próprio luto, enquanto o padre que visita a viúva (John Hurt) parece estar fazendo apenas seu trabalho. Já o casal Johnson (John Carroll Lynch e Beth Grant) tem a presidência dos Estados Unidos para assumir. E, por fim, o jornalista que tem uma entrevista para fazer (Billy Crudup) tem uma postura desdenhosa de quem não compreende ou respeita aquela pessoa, sua história e seus sentimentos. Todos eles, no entanto, acabam engolfados pela inteligência e pela força de Jacqueline Kennedy.

O detalhe é que, em meio a tudo isso, Jackie se perde em tentar retratar algo que era tido como um dos objetivos do filme: a vontade da protagonista de utilizar os acontecimentos logo após a morte do presidente para deixar o legado dele cravado na história. Isso está devidamente presente como uma de suas intenções e não há dúvida de que muitas das decisões que a vemos tomando trouxeram esse resultado. Mesmo assim, para um olhar estrangeiro como o meu, a alegoria com Camelot parece uma divagação boba de uma pessoa tomada pelas saudades e não a representação de um sentimento nacional.

Em Jackie, eu compreendo a importância e a força dessa mulher e vejo seu status ser comparado a da realeza. Mas é difícil tirar dessas cenas um ser humano real e palpável. O luto, que poderia tornar alguém mais frágil e forçar a necessidade de empatia, apenas a afasta dos demais e a coloca em um estranho pedestal onde o sofrimento é transformado em mais um muro que a torna especial e distante. Não é uma abordagem que se vê todo dia e não é algo fácil de encarar. Mas, se fosse, Jackie não seria um filme tão único e memorável.

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